quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O Estranho Mundo de José Mojica Marins




Garoto, não sei exatamente em qual ano, vi Zé do Caixão na tevê em branco e preto. Mamãe explicou: 

- Ele mora em São Paulo. A casa dele tem o formato de um caixão.

Não sei se é verdade mas é a primeira lembrança que trago do maior personagem do Cinema Nacional: unhas enormes, roupa preta estilosa, sádico com humor negro e hilário e em busca da mulher ideal para ter seu filho, Zé do Caixão foi criação originalíssima de José Mojica Marins (1936 - 2020). 

Certamente um de nossos dez maiores cineastas. Cineasta de verdade - não cineasta de bloco de Carnaval. 

Ser cineasta foi um sonho que acalentei nos 90. Nunca falei aos meus pais deste desejo. Eles devem ter sacado quando pedi para que assinassem a Revista SET. Durante anos acompanhei Hollywood neste período pré-web e já no final da era do vídeo-cassete e início do DVD. Tinha também um grande Guia do Vídeo com centenas de resenhas de filmes inclusive do realizador brasileiro. Os críticos reconheciam o talento de Mojica porém era frustrante: sua obra não estava disponível nas locadoras da cidade. 

Minha curiosidade por ele continuou.

No início do século XXI o sonho de ser cineasta acabou. Parei de assinar a SET. Desisti de tudo. Veio a internet e a coloquei no lugar da tevê e do cinema. Acho que foi por essa época ou um pouco antes ou depois (não lembro bem) que a Band exibiu vários filmes de Mojica (deve ter sido nessa época que ele andou apresentando nas tardes do canal o 'Cine Trash') nas horas vazias da madrugada. Assisti, entusiasmado fã de Terror, 'À Meia Noite Levarei Sua Alma' a sua estréia blockbuster e a obra-prima 'Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver'. 

Se pudesse o colocaria entre os cem melhores do cinema mundial junto com 'Vidas Secas' de Nelson Pereira dos Santos. A cena com a bíblia no final é da altura de um Orson Welles, dum Ford, dum Hawks.

Mas é do nosso Zé Mojica. 

José Mojica Marins cometeu um grave erro: nasceu no Brasil. Fosse norte-americano ficaria milionário com mansão em Beverly Hills. Brasileiro, viveu na pindaíba, teve dificuldade para filmar e acabou folclórico: destino dos incompreendidos nesta Nação. 

Morto, José Mojica Marins virou lenda.

O nosso mundo é que é estranho.


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